Desafios do novo regulamento que trata da autorização de uso de Novos alimentos e novos Ingredientes
Estamos próximos de completar um ano da publicação do novo marco regulatório para novos alimentos e ingredientes, a RDC n 839/2023. Antes desse marco, a autorização de uso de novos ingredientes e novos alimentos era regida por regulamentos de 1999, complementados por guias não normativos.
Em 2022, a Anvisa, no Relatório de Análise de Impacto Regulatório, apontou inconsistências e lacunas nos procedimentos de avaliação e autorização de novos ingredientes e novos alimentos. Esse diagnóstico, aliado à crescente inovação tecnológica, à intensificação do comércio internacional e ao avanço das evidências científicas sobre o impacto dos alimentos na saúde, motivou a necessidade de modernizar a regulação pré-mercado de novos alimentos e novos ingredientes. O objetivo era garantir um tratamento proporcional ao risco, considerando a natureza, composição, histórico e condições de uso desses produtos, além de aumentar a convergência internacional e a eficiência da atuação da Anvisa.
O regulamento continua orientado pelos princípios da avaliação do risco descritos pela FAO e WHO (2009). Em síntese, a avaliação do risco, segundo Jardim e Caldas (2009) visa identificar e estimar os riscos da exposição a uma substância por uma determinada população.
O objetivo principal é reunir o máximo de informações possíveis – premissa da Prática Baseada em Evidências – sobre a composição e caracterização de um novo ingrediente ou alimento. Isso permite cruzar essas informações com os potenciais risco à saúde para a população, além de para orientar as investigações toxicológicas necessárias para comprovar a segurança.
Para isso o risco é avaliado em três frentes: identificação do perigo, caracterização do perigo e caracterização do risco. No contexto regulatório, o perigo pode ser o próprio novo ingrediente ou alimento, assim como componentes específicos presentes neles.
Afim de identificar os perigos, avaliar os riscos conhecidos associados a novos alimentos e ingredientes, e evitar riscos desconhecidos decorrentes das novas tecnologias (De Boer e Bast, 2018; Lietzow et al., 2020), a RDC n° 839/23, mais detalhada e complexa, trouxe clareza sobre os requisitos necessários. Contudo, também trouxe desafios para aprovação de novos ingredientes/alimentos.
Entre esses desafios, destaca-se a necessidade da apresentar dados sobre a alergenicidade, biodisponibilidade de nutrientes ou bioativos presentes, maior rigor na extrapolação de resultados científicos para demonstrar a ausência de toxicidade, e a aplicação dos critérios técnico-científicos estabelecidos para a caracterização de probióticos a ingredientes obtidos a partir de fungos e algas, mesmo que esses organismos estejam inativados, como as biomassas proteicas de algas ou fungos. Além disso, há a necessidade da caracterização de ingredientes nomeadamente complexos¹.
Tradicionalmente ingredientes derivados de vegetais, especialmente extratos ou concentrados, despertam grande interesse do setor regulado por serem fontes potenciais de metabólitos secundários, substâncias com atividades biológicas relevantes à saúde. No entanto, além de compostos benéficos, certas espécies botânicas podem sintetizar compostos potencialmente tóxicos, como derivados cumarínicos ou alcaloides, por exemplo.
Esse cenário, somado à quantidade imensurável de compostos com estruturas químicas altamente complexas, justifica a necessidade, não apenas de identificar e quantificar compostos majoritários (parâmetros-chaves), mas também, de determinar a proporção de substâncias não identificadas, e apresentar o perfil cromatográfico.
¹ A RDC 839/23 define como complexo o ingrediente obtido de fonte única e cujos constituintes não podem ser totalmente caracterizados ou identificados quimicamente, os extratos vegetais são os exemplos clássicos, no entanto, não únicos de ingredientes complexos.
O que é, afinal, o perfil cromatográfico?
O perfil cromatográfico ou “impressão digital” pode ser entendido como um screening (fito)químico para verificar a presença de grupos de metabólitos secundários de constituição química desconhecida, ou buscar grupos específicos de metabólitos em espécies previamente caracterizadas. Esse perfil, auxilia na classificação estrutural e na continuidade da avaliação do risco, com foco na segurança e eficácia (Simões et al., 2017; Anvisa, 2020).
O perfil cromatográfico ou “impressão digital” pode ser entendido como um screening (fito)químico para verificar a presença de grupos de metabólitos secundários de constituição química desconhecida, ou buscar grupos específicos de metabólitos em espécies previamente caracterizadas. Esse perfil, auxilia na classificação estrutural e na continuidade da avaliação do risco, com foco na segurança e eficácia (Simões et al., 2017; Anvisa, 2020).
Além disso, o perfil cromatográfico pode contribuir para o desenvolvimento da especificação do ingrediente, especialmente quando a literatura reporta parâmetros-chave na espécie botânica. Ele serve para garantir a identificação inequívoca e a padronização do ingrediente, ou para determinar a equivalência entre o perfil fitoquímico do ingrediente e dados de estudos científicos já publicados (Anvisa, 2020).
Por isso, ao desenvolver um cromatograma de perfil é essencial incluir todos os componentes relevantes, principalmente aqueles responsáveis pelo benefício do ingrediente (parâmetro-chave) ou com potenciais riscos de toxicidade. O desenvolvimento de um perfil começa com uma revisão extensa da literatura, para compilar substâncias já identificadas e/ou quantificadas.
Essa pesquisa recupera informações sobre condições do cromatograma que podem orientar a escolha da técnica analítica mais apropriada. A diversidade e complexidade química tornam a análise simultânea dos perfis de todos os metabólitos um grande desafio. O emprego de apenas uma técnica analítica pode ser insuficiente para gerar o volume necessário de dados, o que pode ser minimizado pela utilização de extrações seletivas e análises paralelas com uma combinação de tecnologias, aumentando a compreensão do metaboloma (Simões et al., 2017).
Por exemplo, para óleos voláteis, a cromatografia gasosa é mais adequada do que a cromatografia líquida, enquanto a cromatografia em camada delgada pode ser mais apropriada para determinar açúcares (Anvisa, 2020). Assim, as técnicas de separação acopladas a espectrometria de alta eficiência são utilizadas para a obter informações qualitativas e quantitativas sobre o maior número possível de constituintes de cada amostra, em comparação com uma amostra de referência ou padrão (Simões et al., 2017).
Por fim, ressalta-se, que a apresentação do perfil cromatográfico, não se restringe apenas a ingredientes vegetais, mas também se aplica a qualquer novo ingrediente que se enquadre no conceito de ingrediente complexo, como aqueles derivados de fungos, algas e outros.
Referências:
Anvisa. Relatório de Análise de Impacto Regulatório sobre a modernização do marco regulatório, fluxos e procedimentos para novos alimentos e novos ingredientes, 2022.
Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC Nº 839,de 14 de dezembro de 2023 que dispõe sobre a comprovação de segurança e a autorização de uso de novos alimentos e novos ingredientes, 2023.
DE BOER, A.; BAST. Trends in Food Science & Technology (2018).
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Environmental Health Criteria 240 (EHC 240), 2009.
JARDIM, A. N. O.; CALDAS, E. D. Química Nova, 32(7), 1898–1909. 2009. LIETZOW, J., LUCKERT, C., SCHÄFER, B. 1–28. 2020. SIMÕES C.M.A. et al., Porto Alegre: Artmed, 2017.