Nova versão do guia para determinação do prazo de validade: ganhos e desafios para o setor regulado

A demonstração da manutenção das características de qualidade de alguns alimentos até o final do prazo de validade passará a ser mandatório quando da sua regularização junto a ANVISA a partir da vigência das novas normas de regularização de alimentos (RDC 843/2024 e IN 281/24). Tal comprovação se dará através da condução de estudos de estabilidade realizados nesses alimentos.  

Em 2018, ano da publicação do regulamento técnico de suplementos alimentares, a ANVISA publicou a primeira versão do guia para determinação de prazos de validade de alimentos, com intuito de orientar o setor regulado. Este guia é um instrumento regulatório não normativo, que expressa o entendimento da agência acerca das melhores práticas consideradas adequadas ao cumprimento deste requisito técnico (estabilidade). 

Recentemente, foi disponibilizada a segunda versão deste guia, com o objetivo de atualizar terminologias,  melhorar a abordagem de procedimentos e métodos, além de integrar o resultado da análise das contribuições recebidas para a primeira edição. 

A  seguir, trazemos para você as principais mudanças entre as versões. 

Não obstante à natureza recomendatória do guia, a Anvisa reforçou que determinadas condições, mesmo sendo amplamente praticadas, são apenas diretrizes gerais e podem variar dependendo do tipo, características do produto e dos objetivos do estudo. Cita-se como exemplo, a seleção dos pontos de tempo de análises no estudo de longa duração e a temperatura do estudo acelerado.  

Sobre o estudo acelerado, em geral, a depender da ordem cinética, a taxa de uma reação química dobra com o incremento de 10°C na temperatura. Isso permite predizer que as características observadas nessa condição podem ser extrapoladas para o dobro do tempo na condição normal de armazenamento, ou seja, o resultado de um estudo acelerado de seis meses pode representar o comportamento do produto em doze meses.  

Essa relação é interessante haja vista que, combinada com outros argumentos técnicos, pode apoiar uma proposta de validade provisória, e antecipar a regularização de um alimento, enquanto seu estudo de longa duração está em andamento. No entanto, a nova versão do guia inseriu uma condição para que essa extrapolação possa ser adotada. Os dados gerados a partir dos estudos acelerado devem ser efetivamente avaliados, por exemplo, por aplicação da  equação de Arrhenius ou do cálculo do coeficiente de temperatura (Q10).  A equação de Arrhenius permite calcular a variação da constante de velocidade de uma reação química conforme a temperatura, e o coeficiente Q10 é uma equação entre as velocidades de reação em duas temperaturas diferentes que descreve a mudança na taxa da reação química. 

Ademais, a orientação de que poderia ser concedido um prazo de validade provisório de até 24 meses se aprovado o relatório de estudo de estabilidade de longa duração de 12 meses ou relatório de estudo de estabilidade acelerado de 6 meses acompanhado dos resultados preliminares do estudo de longa duração foi substituida por recomendações mais abrangentes, tais como a utilização de dados intermediários de estudos de longa duração, extrapolações de estudos de estabilidade de produtos similares, dados bibliográficos e modelos matemáticos preditivos relevantes. Entretanto, é altamente recomendado que um estudo de longa duração esteja em andamento. 

A recomendação de que estudos de estabilidade devem ser conduzidos idealmente com três lotes foi fortalecida com o argumento da redução do impacto que a variabilidade entre lotes e a variabilidade analítica dos métodos aplicados ensejam sobre os resultados, as quais são importantes variáveis a serem consideradas principalmente em alimentos constituídos de matrizes complexas. Além disso, a realização do estudo de estabilidade em apenas um lote pode gerar incertezas e não refletir o real comportamento dos nutrientes, podendo ser estatisticamente insuficiente, e levar uma conclusão não adequada para a determinação do prazo de validade. 

Por outro lado, a nova versão reiterou a possibilidade de eleger nutrientes como indicadores de estabilidade em detrimento a nutrientes relativamente estáveis sob as condições de processo, embalagem e armazenamento, como uma medida para reduzir o volume de análises. Ressalta-se a necessidade da realização de análises de todos os nutrientes no tempo final do estudo de estabilidade, com vistas a  confirmar o comportamento e a estabilidade destes nutrientes. 

Por fim, complementou que as empresas podem definir critérios próprios, mais restritivos do que aqueles definidos na legislação, ou baseado em indicadores de forma a garantir que os produtos nunca atinjam níveis que possam comprometer sua segurança e qualidade. 

Inegavelmente, uma conquista para o setor regulado é a orientação de que o prazo de validade pode ser defendido com base na similaridade de formulações entre produtos da mesma família, desde de que estes últimos já possuam estudos de estabilidade prévios e as formulações sejam bastante semelhantes, o que significa que as diferenças existentes sejam mínimas, tais como aquelas que se relacionam apenas com componentes menos relevantes, como corantes e aromatizantes e cujas modificações não afetem as características e a segurança da nova fórmula/produto. Cumpre destacar que permance a orientação para quando um prazo de validade é estabelecido com base na predição de dados entre formulações similares, ou outro método indireto, de que a validade da extrapolação seja confirmada por resultados adicionais de estabilidade de longo prazo ou acompanhamento. 

Apesar de a condução de estudos de estabilidade estar prevista desde 2018 com a publicação do regulamento técnico de suplementos alimentares, constitui-se um grande desafio para o setor regulado. Os estudos de estabilidade ganharam status de protagonista de mudanças na dinâmica do setor,  sendo inquestionável os ganhos que trarão para a qualidade e segurança dos alimentos. 

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