FAO publica relatório sobre aspectos de segurança alimentar da fermentação de precisão
A fermentação de precisão geralmente se refere a um processo que utiliza microrganismos como bactérias, leveduras ou fungos para produzir produtos-alvo específicos por meio de sistemas de produção controlados. Uma ampla gama de produtos, como proteínas, enzimas, vitaminas ou outras substâncias bioativas, pode ser produzida por meio da fermentação de precisão.
À medida que a demanda global por proteínas e nutrientes específicos cresce, muitos profissionais do setor agroalimentar buscam oportunidades para expandir o escopo de diversos sistemas de produção de alimentos que possam ser rentáveis, seguros, ambientalmente sustentáveis e nutricionalmente saudáveis. Portanto, muitas autoridades de segurança alimentar estão trabalhando para abordar as potenciais implicações para a segurança alimentar, a fim de que marcos regulatórios apropriados possam ser identificados para proteger os consumidores. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), juntamente com as autoridades competentes, envolve muitas outras partes interessadas para colaborar nesse espaço e promover o conhecimento coletivo.
A FAO publicou recentemente um relatório sobre os aspectos de segurança alimentar da fermentação de precisão, abrangendo questões de nomenclatura, o processo de produção e as estruturas regulatórias. Suas conclusões baseiam-se em resultados de uma busca sistemática na literatura e em consultas com órgãos reguladores.
O relatório explica que, embora os processos de fermentação de precisão já existam há algum tempo, o termo “fermentação de precisão” é relativamente novo e não possui uma definição harmonizada internacionalmente. De modo geral, a fermentação de precisão refere-se a processos de fermentação específicos para a produção direcionada e eficiente de ingredientes alimentícios e é cada vez mais utilizada para descrever a produção de compostos alimentares tradicionalmente provenientes de animais; por exemplo, proteína da clara do ovo, proteínas do leite (ou seja, caseína, soro do leite, lactoferrinas e beta-lactoglobulina), proteínas musculares (ou seja, colágeno e gelatina), oligossacarídeos do leite idênticos aos humanos e méis. A fermentação de precisão também está sendo explorada para a produção de substâncias biológicas a serem utilizadas como componentes de meios para a produção de alimentos a partir de células.
Tecnologias baseadas em fermentação convertem substratos orgânicos em produtos alimentícios utilizando diversos microrganismos, incluindo bactérias, leveduras, fungos filamentosos e microalgas. Embora a fermentação tradicional seja utilizada há milênios para produzir alimentos e bebidas como iogurte, missô, cerveja e outros itens, ela agora está sendo aplicada à produção de grandes quantidades de biomassa microbiana que pode ser utilizada como um todo — como um produto alimentício por si só ou posteriormente processado para isolar compostos específicos de ingredientes alimentares (ou seja, lipídios, proteínas e pigmentos).
A percepção de que a fermentação de precisão é um processo inovador pode advir de sua associação com o uso de ferramentas genéticas modernas para direcionar a produção eficiente de produtos alimentícios, ingredientes e aditivos. Ela frequentemente contribui para os esforços de agricultura celular (ou seja, produção de alimentos baseada em células) e outros sistemas futuros de produção de alimentos que não dependem fortemente de práticas agrícolas convencionais.
Essa percepção de novidade pode levar diversas autoridades a questionarem se as estruturas regulatórias de segurança alimentar existentes são adequadas para garantir a produção segura de alimentos fermentados por precisão. A FAO afirma que a adequação da adaptação ou do desenvolvimento de estruturas regulatórias para alimentos fermentados por precisão pode ser determinada por meio de uma avaliação formal de riscos, começando pela identificação abrangente dos perigos, o que requer uma compreensão completa do processo de produção da fermentação de precisão. Embora a fermentação de precisão geralmente utilize processos de fermentação estabelecidos, ela pode diferir da fermentação tradicional no uso de vários hospedeiros de produção, na escala de produção, nos modos de processamento e nos tipos de aplicações alimentares.
Para ilustrar as aplicações práticas, o relatório recém-publicado da FAO inclui três estudos de caso detalhados que apresentam diferentes tipos de processos de fermentação de precisão. Ele também resume os resultados de duas consultas regulatórias online com mais de 100 especialistas em regulamentação, onde foram coletadas informações relevantes sobre as estruturas de segurança alimentar de 35 jurisdições diferentes.
Em vez de uma simples visão geral, esta publicação pode ser usada como um guia para que autoridades competentes em segurança alimentar em todo o mundo tenham compilações de boas práticas e lições aprendidas. Ao identificar aspectos comuns dos processos de produção de fermentação de precisão e os riscos relacionados, bem como revisar e comparar as estruturas regulatórias existentes aplicáveis à fermentação de precisão de várias jurisdições, ele estabelece as bases possíveis para futuras ações regulatórias. Para os países que desejam compreender as maneiras de garantir a segurança de produtos alimentícios derivados da fermentação de precisão, este documento pode servir como um ponto de referência valioso.
A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 839/2023 menciona que um dos casos em que um ingrediente ou alimento pode ser classificado como novo é quando “tenham sido submetidos a processo produtivo não aplicado usualmente na produção de alimentos”. Em que pese a fermentação ser um processo já conhecido, a fermentação de precisão é uma variação com peculiaridades que, sob a ótica da segurança dos alimentos, ainda precisa ser avaliada pela Anvisa. Sendo assim, mesmo ingredientes ou alimentos considerados tradicionais e usuais, se forem obtidos por fermentação de precisão, talvez necessitem de uma avaliação mais detalhada antes de serem considerados seguros para consumo.
A RDC 839/2023 indica que a descrição detalhada do processo de produção dos novos alimentos e novos ingredientes deve ser incluída no relatório técnico, contemplando:
I – Matérias-primas, substâncias iniciadoras, aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia utilizados;
II – Limites operacionais e parâmetros-chave do processo de produção;
III – Medidas implementadas para controle de processos e garantia de qualidade; e
IV – Fluxograma de produção com as verificações de controle de processos.
No caso da fermentação de precisão, devem ser incluídas ainda listagem de ingredientes que compõem os meios de cultivo e as condições de cultura empregados e informações sobre a pureza e a estabilidade genética da cultura de células ou de tecidos durante o processo de fabricação.