Rótulos Clean Label: ainda são uma tendência?
Um dos princípios norteadores do movimento clean label é a elaboração ou a reformulação de alimentos, por meio da substituição ou eliminação de ingredientes, para que se tornem mais atrativos ao consumidor. Isso é feito através da substituição de ingredientes que levam à percepção de serem artificiais e menos seguros e saudáveis por ingredientes que usam termos mais familiares ao consumidor e que sejam ou pareçam mais naturais e saudáveis.
As dificuldades começam com a reformulação dos produtos, que muitas vezes estão há décadas no mercado. O consumidor está acostumado com aquele sabor/paladar e muitas vezes não tem boa aceitação a mudanças, em especial quanto a mudança no dulçor, ou na quantidade da gordura, responsável pelo preenchimento e textura do produto. Ainda assim, existem opções para essas reformulações, e a indústria tem tentado lançar mão disso para atender a nova demanda, como uso de edulcorantes naturais e substitutos da gordura.
Outra dificuldade é saber exatamente como informar sobre a reformulação ao consumidor. As informações de rotulagem que enfatizam a ausência de certas características de composição e produção geralmente compreendidas como negativas pelos consumidores, como as alegações de ausência de aditivos alimentares específicos, hormônios, transgênicos, ou que ressaltem atributos vistos como positivos, como natural, caseiro, vegano, não são autorizadas pela Anvisa. Dessa forma, é necessário que as empresas trabalhem a criatividade com o marketing, para que possam informar ao consumidor sobre pontos positivos do produto, sem ferir a legislação vigente. Um exemplo são os iogurtes com apenas dois ingredientes, já mencionados, que informam essa característica no rótulo sem levar o consumidor a engano, já que de fato o produto possui somente leite fresco e fermento. Outros produtos que não usam açúcares e nem edulcorantes podem também optar por informar no rótulo “adoçado com tâmara”, por exemplo, já que essa é uma informação facultativa que não confunde o consumidor.
A reformulação de produtos para atender a novas legislações tem sido um grande desafio, e apesar do tempo decorrido, muitas indústrias ainda não conseguiram relançar os seus produtos. Mas essa reformulação vai muito além da exigência das normas, já o consumidor está mais consciente, esclarecido e exigente, que juntamente com o órgão regulador, cobra da indústria produtos com menos aditivos e ingredientes artificiais, menos ou sem açúcar adicionado, e baixo em sódio e gordura saturada.
O que se tem visto é a substituição de aditivos corantes e aromas por concentrados naturais de frutas e vegetais; uso de veículos alimentares com mais fibras e menos açúcares, por exemplo: polidextrose no lugar da maltodextrina; ingredientes naturais – como a tâmara e a polpa de maçã – que adoçam em detrimento de açúcares e edulcorantes; formulações de produtos com menos ingredientes, como por exemplo os iogurtes feitos apenas com leite e fermento, entre outros.
Então sim, a adesão da indústria ao movimento clean label deixou de ser apenas uma opção e para as indústrias que ainda estão no caminho da adequação, devem se apressar.
A adequação total desses produtos acontece em duas etapas:
1) a possibilidade comercial de reformulação;
2) uso de ingredientes aprovados pelo órgão regulador. Quanto ao último, cabe explicar que existe a necessidade da aprovação de todo e qualquer ingrediente “natural” que queira ser utilizado no produto. Ex: extrato de aipo para conservação de produtos cárneos. Isso significa que não basta a empresa se basear em produtos no exterior, ou desenvolver opções próprias sem que essas estejam “positivadas” nas listas de aprovação da Anvisa.
Além disso, é necessário trabalhar o marketing da empresa, de forma que as informações sobre o produto possam ser passadas para o consumidor de forma inequívoca e correta, sem deixar de mencionar suas características benéficas que o tornam um produto clean label.
Embora muitos produtos sejam comercializados como naturais e alinhados ao movimento de Clean Label, muitos ingredientes são obtidos por processos que modificam substancialmente as matérias-primas originais, para garantir uma eficácia tecnológica similar aos aditivos alimentares que pretendem substituir. Essa situação gera preocupações com a segurança de uso desses ingredientes, além de criar situações potencialmente enganosas ao consumidor. Desta forma, deverá haver um cuidado extra do setor quanto ao uso desses novos ingredientes.
Por outro lado, sim, a prática da indústria até o momento tem beneficiado o consumidor em termos de melhoramento de formulação em termos de uso de componentes mais conectados com a natureza.
O consumo de alimentos saudáveis foi acelerado pela pandemia. Em 2020, as vendas desses produtos – que incluem de produtos sem glúten ou com menor teor de sódio a orgânicos certificados – atingiram R$ 100 bilhões no Brasil, segundo a Euromonitor Internacional.¹
O mais recente estudo Consumer Insights, da Kantar, mostra que, no 2º trimestre de 2021, a busca por alimentos mais nutritivos e saudáveis voltou a ganhar relevância, especialmente nas horas do lanche, retomando níveis vistos no período pré-pandemia. A necessidade de um consumo mais saudável, vinculada à busca por alimentos mais nutritivos, foi liderada por lares com crianças e adolescentes de até 18 anos, com um aumento de 9,1% em ocasiões de consumo.²
No que pese o crescimento do movimento de clean label e os potenciais benefícios decorrentes da reformulação da composição e da rotulagem dos produtos processados, em certos casos tais iniciativas podem refletir apenas uma estratégia de marketing, sem que exista qualquer vantagem nutricional, de qualidade ou de segurança para o consumidor. Nessas situações, é comum que as normas que disciplinam a composição e a rotulagem de alimentos não sejam observadas, o que pode expor o consumidor a situações que causam engano e colocam em risco sua saúde.
O consumidor deve ficar atento em relação ao marketing do produto, à lista de ingredientes e à tabela nutricional, para verificar se realmente o produto é mais saudável em comparação com o seu concorrente. Normalmente, há aumento do preço de produtos considerados clean label, portanto o consumidor deve estar atento para entender se este incremento seria justificado.